terça-feira, 31 de janeiro de 2012

“Tempus fugit “


                                     “Tempus Fugit” Salvador Dali



Procuro-te nesta câmara escura
e observo-te no teu vagar
sonolento
com que te desnuda
o cloreto de prata do tempo

revejo-te princesa
no tule rendilhado do teu véu
a saíres ilesa dessa espuma branca
a iniciares a tempestade
de uma memória fugidia

sorris luminosa
vencedora do ocre e do salitre das casas
na  marginal do céu
eu que me pensava refugiado em ti
e apenas voava com tuas asas

ali te perdi de calções e de chapéu
entre nuvens de fumo
e persegui o chilrear do teu riso
ali me perdi perdendo o teu rumo
no gesto amável e conciso

pairava o piano de olhos já cegos  
o harpejo dos dedos no fim da tarde
sem alarde
e aguardavas no átrio do hotel
Yolanda da baía de “Cienfuegos”

sendo de todas e de cada uma das mulheres
onde te perdi
oiço-te os passos mulher primordial
se te ausentares para me salvar
morrerei para ressuscitar nos teus braços

Lisboa, 29 de Janeiro de 2012
Carlos Vieira

 

Não sei o caminho

não sei o caminho
que seguiste
o teu perfume  
em tudo persiste
sorvi
tudo de ti
até  à última gota
a tua revolta
a tua essência
agora que podes
estar morta
e longe
sofro as penas
da minha ausência
intermitente

20-04-11
Carlos Vieira

Ania Dąbrowska - Bang Bang

Violetta Villas - Melancholie

Robin Guthrie e Harold Budd - She Is My Strength

domingo, 29 de janeiro de 2012

Olho-te

olho-te
deitada diante de mim
fazes de horizonte
e sei  por ti
do lugar da fonte
perco-me
nesse abismo
nas eternas florestas
do final infinito
das tuas pernas
  desde sempre aí
as mesmas feras à solta
são grandes as fogueiras
e os festejos
que faço à tua volta

20-04-2011
Carlos Vieira

Frazey Ford - One More Cup Of Coffee (Bob Dylan Cover) [AUDIO]

Love (Cinematic Orchestra - All Things)

regina spektor - braille

The Adagietto from Mahler's Fifth Symphony

Les Grandes Fortunes

     Self père et self fils, ilest parti de rien et s'est fait
lui-même.
     Milliardaire d'ères, il n'a pas de compte à rendre à personne, le temps qu'il a créé c'est de l'argent et l'espace c'est de l'or.
     Et les bénéfices c'est de la merde.

Jacques Prévert

Kiri te Kanawa - O mio babbino caro - Puccini

Pedro, lembrando Inês

Amo-te; e o teu corpo dobra-se,
no espelho da memória, à luz
frouxa da lâmpada que nos
esconde. Puxo-te para fora
da moldura: e o teu rosto branco
abre um sorriso de água, e
cais sobre mim, como o
tronco suave da noite, para
que te abrace até de madrugada,
quando o sono te fecha os olhos
e o espelho, vazio, me obriga
a olhar-te no reflexo do poema.
Júdice, Nuno, Pedro, lembrando Inês
Publicações D. Quixote,
Colecção Frente e Verso, 2009

sábado, 28 de janeiro de 2012

Carl Orff - Carmina Burana - O Fortuna


Carmina Burana - O Fortuna, Imperatrix Mundi



Em latimEm português
O Fortuna,Ó Sorte,
Velut LunaÉs como a Lua
Statu variabilis,Mutável,
Semper crescisSempre aumentas
Aut decrescis;Ou diminuis;
Vita detestabilisA detestável vida
Nunc obduratOra oprime
Et tunc curatE ora cura
Ludo mentis aciem,Para brincar com a mente;
Egestatem,Miséria,
PotestatemPoder,
Dissolvit ut glaciem.Ela os funde como gelo.
Sors immanisSorte imensa
Et inanis,E vazia,
Rota tu volubilisTu, roda volúvel
Status malus,És má,
Vana salusVã é a felicidade
Semper dissolubilis,Sempre dissolúvel,
ObumbrataNebulosa
Et velataE velada
Michi quoque niteris;Também a mim contagias;
Nunc per ludumAgora por brincadeira
Dorsum nudumO dorso nu
Fero tui sceleris.Entrego à tua perversidade.
Sors salutisA sorte na saúde
Et virtutisE virtude
Michi nunc contrariaAgora me é contrária.
Est affectus
Et defectusE tira
Semper in angaria.Mantendo sempre escravizado
Hac in horaNesta hora
Sine moraSem demora
Corde pulsum tangite;Tange a corda vibrante;
Quod per sortemPorque a sorte
Sternit fortem,Abate o forte,
Mecum omnes plangite!Chorai todos comigo!


 

Diane Schuur - Round Midnight (arranged by Clare Fischer)

Joanna Wang - Vincent

Sonho marítimo de uma árvore anónima

Olho para as árvores
que deixaram de ser mastros
ou rumor de outro mar
e de outra história
em silêncio escutando-as
oiço os homens colossais
prodigiosos
os seus grilhões
e os seus longos braços erguidos
empunhando barcos e pássaros
os seus olhos são punhais.

À flor da pele está içado
um sonho
de um mapa verde
de mudar o mundo
onde revemos outros trilhos
dos novos destemidos
e aqueles que trazem consigo
os nossos filhos
a última palavra
dos remoinhos de afogados
e a primeira de outros calados
no ar que se respira.

Podemos ver
na curva do tempo
o mar a beijar-nos os pés
os que morrem na praia
e os outros das galés
aqueles onde corre
a febre do sangue
a caminho das ondas.

Acesa na areia
fulge a firmeza de uma ideia
de esperança
de queimar o tempo
deste Inverno maior
e de apenas sobrarem
sombras tímidas
de melros
das árvores nuas
segredos e folhas caídas
contra o sol
e a raiz dos medos
distingue-se um jardim
plantado num outro mar
pelas artérias  do mapa verde
floresce um novo mundo
e o sonho de um navio
de mão dada a passear

Lisboa, 27 de Janeiro de 2012
Carlos Vieira

                                                         “fantasies of a naked trees” by  Covert Art

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Preamar - II

                                                         Pintura de autor desconhecido

Preamar
II

Ali estavas no teu intangível vestido de noite, de pérolas e de sal
                                              podia até ouvir-te nesse sonho em que corres descalça no areal
ou se amanhece o teu sorriso de luz etérea e na brisa que te esconde
                                              nessa antiga memória arquejando de espasmos num uníssono de mar
reconheço-te o sabor, o regresso à loucura e ao indefinido perfume
                                              que me derruba, mordo o pó da estrada, fenda aberta no meio do luar
limiar secreto de outro esplendor, de um cardume de peixes e de estrelas  
                                             e alastra de novo em mim, ancestral, o rasto marítimo que deixas ao passar

Lisboa, 26 de Janeiro de 2012
Carlos Vieira

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Preamar

                                                                   
                                                      ”Enseada dos Tubarões” de Jim Skea (Flickr)
          
I
Não consigo ter a mais pálida ideia
de há quanto tempo não vejo o mar.
Talvez por isso desaprenda a te embalar
porque o amor no seu  desassossego
pode perder a mão, a cor e o vento
e não vislumbrar na branca espuma
o  traiçoeiro  coral de um momento.
Mas que posso ver no mar que em ti
não veja e que por ti não fique cego.
Faz-me falta ver-te mar e ver-te duna.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2012

Carlos Vieira

Lisa Gerrard & Marcello De Francisci - The Secret Language Of Angels

Natalie Merchant - Leave Your Sleep - The Man in the Wilderness

sábado, 21 de janeiro de 2012

Voo Nocturno

                                                     “Voo nocturno” de António Jorge Gonçalves

Voo nocturno

Hélice, flor mecânica que nos faz voar pelo eixo álacre do sonho, pela tua voz desço até à doce turbina do teu sexo, na vertigem do teu corpo entrego-me ao frenesim e à avidez desses lugares inexplorados, onde sempre estremeço e te beijo os pés e estou nas nuvens e desligo os motores e me deixo pairar.
Se acordo com a mãos dormentes e transido de frio, fico feliz só de ouvir-te respirar, descanso porque exala o perfume do teu corpo, num prodígio de nimbo-estrato que transponho num frémito repetido como se fosses o mar profundo.
Tu que és essa força centrípeta, a ordem e o caos onde me confundo na altitude do anseio e na plenitude do real que me apazigua a dor e onde, perdido, percorro o céu, cúpula do teu amor de olhares o mundo.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2012
Carlos Vieira

Melody Gardot "La Chanson des Vieux Amants" (Jacques Brel)

A Gota de Orvalho

A gota de orvalho
cai na tua face
e desce
aos meus lábios.
Sem mácula
sem mágoa
nada se esquece
no ciclo da água

20-04-2011
Carlos Vieira

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

TRIJNTJE OOSTERHUIS (TRAINCHA) - ON MY OWN

Hubert Laws - Pavane (1971)

WINTERPLAY / SONGS OF COLORED LOVE

Rachelle Ferrell - I can explain (live)

Pequeno texto em memória de uma perda irreparável


O teu sorriso media o perímetro do lago e a pedra ao sobrevoá-lo beijava a superfície da água no teu olhar, sem sombra de medo nem de mágoa, corria o suor pela face e o afago da tua mão pelas tábuas. Depois o gesto único de um prego cravado bem no meio do silêncio.
Tu aprendias a voar num escadote, trapézio dos teus dias de um espectáculo sem público onde dizias adeus com um pincel a pintares ao de leve a brisa e misturando as cores mudavas as paredes do tempo.
Ali estavas tu contorcido sob o tampo da escrita, ali moldavas na tua bondade e paciência infinita a mais insensata ignorância e o mais ingrato desprezo.
Recordo-te no teu afável saber e do afecto tranquilo com que acendias as lâmpadas, nessa interligada erudição de fios, de amizade e interjeições de espanto.
Depois ias devagar até à tristeza dos canos e nós descansávamos nas nuvens de silicone derramado, inventavas essa solução transparente dos pequenos gestos e das palavras sopesadas na tua destreza de apertado espaço.
Preenchias de solidão a fuga das folgas e desfazias os imponderáveis das portas e das janelas e das gavetas e dos poetas que gemiam sem porquê e tinham mortes de véspera, de correntes de ar.
Ias pelos mistérios dos telhados e pela clarividência das frestas e perturbava-te a pobreza na claustrofobia dos sótãos, os vestígios de saberes definitivos e tantas vezes agachados, apercebi-me da tua incompreensão e da tua verticalidade simples de sol de Inverno.
Era notável o esplendor da tua entrega perante esta democracia de saguão, essa morte que te levou meu amigo é pequena demais, pois não se apaga assim a grandeza do teu silêncio e a alegria dos teus pequenos gestos a sobrevoar o lago da memória que beija agora o teu eterno sorriso de pedra.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2012

Carlos Vieira

(Pequena homenagem ao "Toni")
 

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Outra vez cantos de sereia

De ti
são inúmeros os sinais que vislumbro
por detrás
da efémera cortina do momento
em que espreitas
por uma janela de tempo
de tanto mar
e de tanto desassossego
contudo não encontro
a nua latitude do teu torso
e navego na esteira
do que nos guia e nos ilude
por vezes aquela luz lá longe
podem ser as labaredas do teu seio firme
ou o intrépido rasgar da tua carne
enunciando o fulgor dos pássaros
cúmplices
solto as amarras
e sigo-te por aquela rota
pois podes ser o silêncio aceso nas falésias
e ouvir a tua voz
é como exibires uma coroa de prata
e se despires a filigrana da espuma dos dias
vais devastar a mentira etérea
e o verdete da malícia
que nos cerca
e nos separa
se pudesse
apenas saborear de novo o calor e o sal
que libertas do teu corpo
só isso me iria permitir
fundear noutros horizontes
à sombra dos teus pensamentos
se pudesse usufruir dos aromas
que descem felinos
pela noite das árvores dos bosques
no teu território
se pudesse desfrutar
no jardim luxuriante um simulacro
dos teus inesperados abraços
e ir à flor da pele
sorver o elixir e o antídoto
dos frutos proibidos
se pudesse descobrir o meu rumo
se ele fosse necessário às tuas tréguas
nunca estaria perdido
nestes desencontrados sinais
de ti

Lisboa, 17 de Janeiro de 2012

Carlos Vieira







                          “Pequena sereia” em Copenhaga

Garden of Melancholy -The art of Mike Worrall

Desdeñosa - Lhasa de Sela

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Logaritmos


Sempre este secreto desejo do reencontro
na esquina um lugar
onde te reconheço

Esta insatisfação na altitude de um beijo
aritmética invulgar
quando amanheces

Inventas o caminho íngreme que me contas
vences um socalco
e esconde-se a raposa

Depois a luz que o ângulo do teu rosto revela
é só o fragmento do olhar
na clausura da tela

Por entre as copas das árvores espreita-me
o céu ou espreito-te eu
a ave que voa nada teme

O gesto parte contorna-te os lábios
fala por si  
e tanto havia para te dizer


Não sei se é teu o vulto que avisto
fraca é a vista
só de tocar-te fico cego

O belo alabastro dos teus ombros tão exacto
do perfume que inebria
e da confluência de afagos

Banhado pela fome ou luz triste que o despe
resiste o mistério do teu corpo
fogo eterno que me consome

Lisboa 15 de Janeiro de 2012

Carlos Vieira

“Naked Woman before Stove” por Felix Vallotton



domingo, 15 de janeiro de 2012

Memoirs of a Geisha - Sayuri's Theme

Yo soy la Locura Montserrat Figueras

A distância do teu olhar

Olho para ti
Na penumbra
do teu olhar sereno
não sei que vislumbra.
Sei que dentro de mim,
arde de novo
o que não tem razão,
a carne viva das ideias,
num fogo brando
de palavras e gestos
contra toda a Inquisição.
Breve momento
em que invento
a voz e a coragem
à sombra sem fim
da tua imagem,
meu abrigo manso
de olhar o mundo.

Lisboa, 7 de Dezembro de 2010

Carlos Vieira

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Pequenas histórias avulso por Lisboa

                                                            Foto de autor desconhecido

Pequenas histórias avulso por Lisboa

não, não nasci em Lisboa, ela nasceu por dentro de mim

nesse concerto nocturno das águas tépidas
do banho da vizinha do andar de cima
meu primeiro sonho molhado

floresceu em centelhas e na destreza amável de carteirista
enquanto corria célere o eléctrico pela Estrada de Benfica
num Novembro estridente
a esvoaçar nos estribos corriam os sonhos tangíveis das crianças 

depois aquele irromper de um rugido de leão com cio
no meio do bairro e das flores e dos pescoços de girafas
que mordiam a savana e o asfalto e as grades do zoo

havia aquela caixa de sapatos com sortilégios de bichos-da-seda
sulcando calmamente as nervuras das folhas de amoreira
primeira lição de liberdade no adejar das frágeis borboletas

já nesse tempo havia corridas de barcos de papel
entre ancoradouros de sarjeta
sobretudo nesses admiráveis dias de chuva
e utopias de néon

acendia-se e apagava-se a liberdade
no curto circuito da esperança  de vida
e dos furtivos gestos de amores proibidos
como berlindes aquecidos dentro dos bolsos

jardins da infância na cidade que nunca seriam confinados
pois persistia sempre essa clandestinidade
de escorregas e baloiços

recordas-te, levavas pela mão a incansável e fria
solidão dos semáforos
a ordenarem as emoções e jogos de paciência

estremeço ainda perante essa suprema arte das corridas
de caricas no lancil e tu esperavas horas a fio a medo atrás da porta
os pequenos passos da censura

tenho este calafrio no cais das colunas dos mergulhos pagos
a essas crianças grandes que dali partiam e ali chegaram
desconhecendo ainda que tinham apenas aquele rio como destino


à margem do testemunho
nos seus olhos cresceram duas gaivotas cozidas “a ponto luz”
e a graça de um miradouro cinzento de asas cortadas

lembro-me de celebrares pequenos negócios matutinos
na feira da ladra
daquelas grandes misérias dos pequenos delitos
dos pequenos objectos de valor estimativo
e de enganares a fome

afogueada de aguardente velha rugias um fado vadio
das calçadas e dos pés descalços
que em algum momento dentro de nós persistem
depois e durante aquela ancestral rouquidão
que nos tolheu

olhavas a ponte sequestrando o sul e o sol no Bugio
e os cacilheiros tolerados pelos navios no estaleiro
pressentindo o teu corpo cercado de solidão
sob uma diáfana camisa de forças

os táxis nas suas loucas corridas intermináveis
a fintarem os bons costumes
nunca se enganavam nos caminhos

as esplanadas das palavras cruzadas e de cafés
com pouco açúcar e das damas antigas esborratadas
de pinturas
e dos livros proibidos e dos muitos nós
do nosso reconhecimento

acreditavas nas feridas dos Cristos e nas navalhas
essas luas ensanguentadas
que uivavam nos becos

a tua mão pousada nos rendilhados e esplendores
de luz e de pedra 
e tu ficavas extasiada na Fonte Luminosa
essa prodigiosa flor de água mansa
a propósito do nada

são célebres as esperas e o adeus para nunca mais
a partir das torres de Belém das nossas vidas
de partidas e de chegadas
sobretudo da ausência dos que ficaram pelo caminho

perdido na estufa fria dos labirintos de flores e aromas
reconheço-te nas sete colinas que formam
a corola desse tempo
de pensamento único

reconheço-te no teu mais instável equilíbrio
no principio era a primeira bicicleta
no jardim do Campo Grande
em segunda mão
mas em estado novo


Lisboa, 13 de Janeiro de 2012

Carlos Vieira

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Tempo de Tangerinas

                                                               Autor desconhecido

tempo de tangerinas

cárcere de aromas e ondas de sabores
adormecidos à mil anos
árvore das mil e uma asas
impávida ao ladrar dos cães
à volta das casas
e das sombras fugazes e das cores
e do teu sorriso à solta
ouço-te respirar e vigio-te a revolta
descansas incólume depois do deserto
mordendo areia
gomos de neblinas
realejo de vento junto ao poço
de um secreto desejo
de tempo ávido
de um alvoroço de tangerinas

Lisboa, 10 de Janeiro de 2012
Carlos Vieira

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Joni Mitchell - Both Sides Now

Sol da meia-noite

                                                    "In Love With Woman" Gustave Klimt

Deixo cair
a doce magia  da tua noite
para que cintilem
os vestígios de suor
o cristal das lágrimas
mistérios de sémen
pois existe essa epiderme de sal
nos fragmentos da  memória
o esboço do teu vulto sentado na cama
enquanto te despes
mulher hábil
serás por ventura imperfeita
e frágil
mas só tu exprimes no olhar
esse intangível reencontro da serenidade
depois da tesoura das tuas pernas
no turbilhão do amor
tuas ternas mãos sabem desfolhar
as estrelas 
nos dias da indiferença
ali se despe ainda a penumbra do teu corpo
que nu se pode erguer como um sol
e derramar a cal
sobre aquilo que calam os muros  do tempo
e os musgos da infâmia

Lisboa 8 de Janeiro de 2012
Carlos Vieira